Preciso dizer que fiquei particularmente espantada com a expressão do ano, eleita pelo Dicionário Oxford: “Brain Rot”. Significa algo como “cérebro apodrecido” e está associada à deterioração do estado mental ou intelectual de uma pessoa, especialmente relacionada ao consumo excessivo de conteúdo online considerado trivial ou pouco desafiador.
Não sei se em função de conviver diariamente em meio a empresas que demandam alto nível de dedicação e sofisticação para soluções de problemas cada vez mais complexos, mas eu ainda não tinha vinculado os efeitos desse estado geral de adoecimento mental com o mundo corporativo.
Já faz algum tempo que temos acompanhado a disparada de doenças mentais associadas ao trabalho. Ansiedade, depressão e burnout têm seus impactos não só para a vida dos profissionais, mas também para as empresas, que perdem em produtividade, no clima e no engajamento, além dos custos decorrentes de afastamentos e reposição do quadro. Não é à toa que se tem investido tanto em programas de saúde mental e de qualidade de vida.
Nossas discussões giravam, fundamentalmente, em torno dos efeitos do trabalho sobre a vida das pessoas, mas agora, com o “brain rot”, aumentam-se as preocupações com os reflexos da vida pessoal dos profissionais sobre os resultados corporativos. Nossos hábitos, cada vez mais digitais, impactam de forma decisiva a nossa disposição para o trabalho. E também a nossa disposição para viver a vida real.
Até então, as pressões corporativas seriam a causa do adoecimento, mas agora as pessoas já chegam adoecidas para trabalhar. Preguiça, desânimo, falta de concentração e estagnação são algumas das consequências do excesso de conteúdos rápidos e de baixa qualidade que consumimos diariamente. Não é possível imaginar que tudo isso se resuma somente aos momentos de descanso em frente à tela do celular.
Efeitos do “brain rot” na carreira e na remuneração
Vamos então refletir sobre os efeitos do “brain rot”.
Considerando que os recursos destinados a aumentos salariais e promoções são restritos, os fatores que levam alguém a ser elegível a esses reconhecimentos financeiros têm muita relação com protagonismo, proatividade, profundidade do conhecimento adquirido e capacidade analítica, além de habilidades interpessoais.
E aí eu me pego pensando em quão escassos serão esses perfis de profissionais se continuarmos lidando de forma tão precária com as redes sociais. Prioriza-se o passar de tela aleatório à leitura de um livro, à pesquisa aprofundada que traga respostas consistentes aos dilemas cotidianos e até a eventos culturais e sociais que ampliam nossa capacidade criativa e cognitiva. E aí o que resta é o torpor, a superficialidade e o vazio.
É preciso foco para identificar problemas e oportunidades de melhoria no dia a dia do trabalho. É preciso objetividade para definir as metas e consistência na execução. É necessário ir além das respostas rápidas e rasas, em uma equação que frequentemente privilegia o volume à efetividade. E só para deixar claro, não vejo nenhum problema no modus operandi das empresas que testam soluções rápidas e topam o risco de errar! Minha preocupação aqui está associada à postura do profissional que, ao se habituar a respostas superficiais e soluções paliativas, corre o risco de perder a profundidade no pensamento crítico e a capacidade de propor mudanças significativas, sem o compromisso genuíno com a geração de valor.
Estamos em dezembro, o mês em que definimos as prioridades para o próximo ano. Que seja então o momento de tomarmos melhores decisões sobre a forma como nos dedicamos ao que realmente importa.
Sejamos inteiros e presentes. E os que conseguirem sair primeiro desta armadilha virtual se destacarão na multidão.
- Fernanda Abilel é professora na FGV e sócia-fundadora da How2Pay, consultoria focada no desenho de estratégias de remuneração.
Fonte: Forbes