Depois de o burnout ter sido reconhecido pela OMS (Organização Mundial da Saúde) em 2022 como uma doença ocupacional, um termo parecido, mas diferente na prática, ganhou as manchetes: o burnon.
Enquanto o primeiro, também conhecido como síndrome do esgotamento profissional, é caracterizado pela exaustão e sentimento de ineficácia, o burnon descreve um estado em que o profissional se envolve de maneira excessiva com o trabalho, sem perceber o desgaste que, a longo prazo, pode trazer problemas de saúde física e mental. “Na prática, as pessoas com burnon continuam produtivas apesar da exaustão, não se afastam do trabalho e experimentam o sofrimento psíquico de forma silenciosa”, explica Tatiana Pimenta, fundadora da Vittude, plataforma de saúde mental para empresas.
O termo burnon foi cunhado pelos alemães Timo Schiele, psiquiatra, e Bert te Wild, psicoterapeuta, que publicaram um livro em 2021 com esse nome. Os autores definem a expressão como um estado constante de fadiga e sofrimento extremos, sem necessariamente culminar em um colapso total. “No burnout, em algum momento existirá a percepção da fadiga e das consequências negativas do estresse, enquanto no burnon, geralmente há negação dos problemas e uma visão idealizada e romantizada do trabalho”, diz Simone Nascimento, médica, mestre pela Universidade de Lisboa e especialista em saúde mental corporativa pelo Hospital Israelita Albert Einstein.
Mais um termo
O burnon não é reconhecido pela comunidade médica internacional. “Não há menções do termo em bases de dados médicos, como o Pubmed”, diz Pimenta. A fundadora da Vittude critica a criação de um novo termo, o que pode causar confusão. “Quando falamos de saúde mental, um dos grandes desafios que enfrentamos é a desinformação.”
Os autores do livro “Burn on” falam de “exaustão depressiva crônica”. “A condição que mais se assemelha a essa descrição é chamada de Transtorno Depressivo Persistente, também conhecida como distimia”, diz Pimenta, citando o DSM-5, Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. “Esse transtorno é caracterizado por um humor deprimido que ocorre na maior parte do dia, na maioria dos dias, e persiste por pelo menos dois anos em adultos.”
Outros sintomas incluem apetite alterador, alterações no sono, baixa energia e autoestima e dificuldade de concentração.
Como identificar e lidar com o burnon (e o burnout)
Tanto o burnon quanto o burnout estão relacionados ao estresse e à exaustão, mas diferem na maneira como se manifestam. “Na prática, a gente pode plantar um burnon e colher lá na frente um burnout”, explica a médica.
Considerando um quadro que tem relação com o estresse crônico no trabalho, segundo Pimenta, os sintomas podem estar ligados à:
– exaustão física e mental;
– desconexão emocional;
– redução do prazer nas atividades diárias;
– persistências de sintomas físicos, como dor de cabeça constante;
– tensão muscular;
– queimação de estômago;
– problemas de pele;
– queda de cabelo;
– queda da imunidade e surgimento de doenças autoimunes.
Independentemente do quadro, problemas de saúde mental são cada vez mais preocupantes no ambiente profissional e requerem atenção dos líderes e profissionais. Mais de 80% dos profissionais correm o risco de ter um burnout este ano, segundo pesquisa global da consultoria Mercer. “Tanto o burnon quanto o burnout exigem abordagens cuidadosas que incluem ajustes no estilo de vida, suporte psicoterapêutico e, muitas vezes, mudanças no ambiente de trabalho”, diz Pimenta, ressaltando a importância do apoio de profissionais especializados.
Além disso, é importante buscar um equilíbrio entre vida pessoal e profissional, mantendo a prática regular de atividade física, alimentação saudável e boas noites de sono. “Cultivar hobbies e interesses fora do ambiente profissional e reconhecer a importância do descanso e da desconexão é crucial”, diz Nascimento.
Papel da liderança
A médica ressalta a necessidade de analisar também o ambiente de trabalho como um fator de adoecimento. “Podemos observar um estado de constante engajamento e hiperconectividade, ancorado em competitividade, perfeccionismo e excesso de responsabilidades”, diz Nascimento. “A cultura de valorização da segurança psicológica e da saúde mental é top down”, ou seja, precisa partir da liderança.
Para criar um programa com ações voltadas para a saúde mental, é preciso começar fazendo um diagnóstico do estado atual dos colaboradores. “Recomenda-se que as empresas realizem um censo de saúde mental anual para medir e analisar a evolução da saúde mental da força de trabalho”, diz Pimenta. Segundo ela, as lideranças precisam ser capacitadas e os profissionais devem ter acesso a suporte psicológico e psiquiátrico subsidiado. Além disso, modelos de trabalho flexíveis podem ajudar os profissionais a gerenciar as demandas dentro e fora do trabalho e, com isso, reduzir o estresse.
O ambiente de trabalho e as lideranças têm grande responsabilidade pela saúde mental de um profissional. Os gestores, inclusive, têm mais influência sobre a saúde mental dos seus funcionários do que os médicos e terapeutas, e o mesmo impacto que os cônjuges ou parceiros, mostra uma pesquisa do The Workforce Institute da UKG, empresa de tecnologia com soluções de RH.
Mas você também pode fazer muito pela sua saúde. Tatiana Pimenta compartilha dicas práticas para assumir a responsabilidade pelo próprio bem-estar:
Autocuidado
Inclui atividades e práticas que nutrem tanto o corpo quanto a mente. Pode envolver exercícios físicos regulares, uma alimentação balanceada, sono adequado, hobbies que relaxam e trazem alegria, e a prática de mindfulness ou meditação. É essencial que o indivíduo reconheça as necessidades de seu corpo e mente e tome medidas proativas para atendê-las. Particularmente, não vivo sem minhas corridas no parque e meus momentos de lazer com amigos e família. Essas coisas são essenciais e têm prioridade na minha agenda.
Estabelecer limites
Saber dizer “não” é crucial. Limites saudáveis podem incluir definir horários específicos em que o trabalho deve ser pausado, evitar levar trabalho para casa e saber recusar demandas excessivas. Isso ajuda a evitar o esgotamento e permite que o indivíduo recarregue as energias.
Equilíbrio entre trabalho e vida pessoal
Priorizar esse equilíbrio é essencial. Pode envolver técnicas de gerenciamento de tempo, como priorização de tarefas e delegação eficaz, para garantir que haja tempo suficiente para a vida pessoal. Os empregadores também podem desempenhar um papel importante, oferecendo horários de trabalho flexíveis ou incentivando políticas de bem-estar.
Comunicação eficaz
Expressar claramente as próprias necessidades no ambiente de trabalho e em casa pode ajudar a gerenciar as expectativas dos outros. Comunicar-se abertamente sobre o que está funcionando ou não permite ajustes que beneficiem a saúde mental.
Avaliação regular
Autoavaliação regular para reconhecer sinais de estresse, ansiedade ou depressão é crucial. Reconhecer esses sinais cedo pode ajudar a tomar medidas preventivas antes que eles evoluam para problemas mais sérios.
Procurar ajuda profissional
Nada melhor que uma boa sessão de terapia para conseguirmos elaborar um dia desafiador. Uma das coisas que a terapia mais me ensinou ao longo dos anos foi falar não e saber me colocar em primeiro lugar na agenda. Se você ainda não experimentou, se tem medo, preconceito ou qualquer outra coisa, eu te convido a dar uma chance.
Fonte: Forbes